ALIENAÇÃO HISTÓRICA
180 anos e nenhuma palavra que escape, nem mesmo por
acidente, de qualquer das bocas que falam para as massas. 180 anos de sangue de
pobre, preto, índios revoltosos, derramados pela fúria dos que dominam sem
precisar de justificativas, pois sua sanha sanguinária (ainda) os permite
ignorar a vida, o valor da vida e a pulsão por liberdade.
No Pará, 180 anos atrás, o povo tomou o poder. Essa
afirmação é tão agressiva e tão impactante que desaparece dos livros de
história ou é tratada como mais um capítulo alegórico que serve apenas para
subquestionários de vestibulares excludentes.
Mas quem no Brasil comemorou a plenos pulmões o derrubar violento
de um governo que foi opressor até que se viu acuado e deposto? Quem comemorou
a invasão da Prefeitura de Belém, a morte de europeus e a bandeira de pobre,
preto e índio, que tremulou em 07 de janeiro de 1835? Você soube de alguém?
Será que não houve ninguém?
Houve sim. Alguns cabanos em Belém não deixaram a data
passar em branco. Armaram-se de armas cênicas para confrontar o silêncio sínico
e ocuparam a praça com uma tal marginalia desautorizada e inspiradora, para
gritar que a Cabanagem deve ser comemorada no dia em que foi vitoriosa.
Cabanos realizaram ocupações culturais no antigo Mercado de
São Braz e na praça Tancredo Neves no bairro periférico da Marambaia. Sarau
Cabano e Sarau Multicultural do Mercado. Ambos, construídos como ações
coletivistas, microfones abertos, exposições, textos libertários, intervenções.
E o tom, o mesmo: comemorar o povo que fez o impossível apresentar-se como
inevitável. Revolucionários cabanos exigindo pertencimento em sua própria
história.
O Sarau Multicultural do Mercado ocorre mensalmente, na
primeira quinta-feira do mês, sempre no Mercado de São Bras e o coletivo
Vagalume realiza diversas ações sócio-artístico-culturais no bairro da
Marambaia e adjacências.
Vale ressaltar que o termo “Alienação histórica” é exatamente o que
vivemos e que, ao contrário do que muitos imaginam, a palavra alienação não
significa burrice, desconhecimento, preguiça mental, ou qualquer dessas
acusações em que sutilmente foi transformada. Alienar significa ROUBAR. Quando
levaram seu celular, você foi alienado dele. Portanto, a alienação é culpa do alienador, não do alienado!
Logo cabe perguntar: quem vem roubando o conhecimento de nossa história, para
quê o faz e o que faremos?
REVOLUÇÃO POPULAR
Em Belém, a menção cotidiana oficial ao movimento Cabano é
uma data, nome de rua inclusive, trata-se da Rua 13 de maio. Agitada, é uma das
principais vias de acesso ao consumo (e à exploração de cabanos urbanos).
Central no centro da cidade, a rua foi batizada pelo Império por ser o local
onde o líder Cabano (mas não popular) Eduardo Angelim, residia e onde amargou a
lembrança diária de sua derrota todos os dias da vida posterior ao fim do
levante popular.
7 de janeiro? Dia de fogo, flecha, revolução? Não! Não
comemorem. Nem mesmo lembrem!!!!
Ao brasileiro não cabe comemorar seus heróis. A menos que se
trate de Ayrton Senas, Xuxas e negros mais racistas que racistas. Ao brasileiro
cabe memorizar heroísmos que lhe tenham massacrado, ratificado explorações e
eliminado sua resistência. Ao brasileiro cabe repetir a história dos
vencedores, não dos vencidos, não a sua. E como vencidos ainda, nossas vitórias
não viram páginas, nem homenagens, nem hinos.
Nossas vitórias apenas serão comemoradas se, por
insurgências autodeterminadas e teimosas, decidirmos que podemos nós mesmos
escolher a quem aplaudir e a quem tomar como modelos.
Quando, por compreendermos o papel do ídolo no jogo de
sombras burguês, decidirmos que nos valeu mais um caboclo “anonimado”, tornado
“soldado que seguiu o líder”, do que ícones que anestesiam a percepção de que
quem derramou sangue não está listado na história.
O povo que guerreou é outro, não o que ilustra as
iluminuras. Nunca vi Maria, Zé, Tião. Mas foram deles as mãos de carregaram as
canoas e que moravam nas Cabanas que batizaram o movimento. Mas só isso.
Parecemos viver em um país de heróis, mas de poucos heróis,
não de povo coletivamente heroico. A aparência que se constrói e se consolida é
de que nenhum movimento é realmente popular, mas resultado de líderes e de sua
potência de ação.
É por essa sensação que as lutas mais importantes, as que se
dão nas ruas, são transformadas em segundos de telejornal, não em modelos
embrionários do que deveria ser a democracia.
Fala-se em revolução, mas espera-se a reedição de outras
revoluções, nunca as nossas próprias. Fala-se em liberdade, mas busca-se a
cristalização de cúpulas livradoras. Fala-se de movimentos de massa, mas a
primeira busca é por sua subordinação, doutrinamento e hierarquização, só
depois disso a massa torna-se política. É o que demonstram e que só vai acabar
quando a própria massa decretar seu fim.
A ansiada revolução é popular? Então porque ninguém está
explicando isso massivamente para o povo? Porque ninguém toma para si a
Cabanagem, a Balaiada, Canudos e quilombos?
LEVANTE CULTURAL
Por tempos no Brasil as ideias eram mais perigosas que
bombas. Tanto é que levantes militares não amedrontavam tanto quanto livros,
assembleias e canções.
A mercantilização da cultura é a guerrilha subliminar mais
perigosa que o sistema capitalista promove contra a sociedade, pois retira a
liberdade criativa sem demonstrar que está sufocando o poder de transformação
inerente ao brasileiro.
Levantem as mãos os que gostam de samba. Agora os que sabem
tocar.
Levantem as mãos os que escrevem poemas. Agora os que se
interessam por eles.
Levantem as mãos os que pagam R$ 200,00 por um ingresso.
Agora os que batucam nas panelas e garrafas com feijão, ocupam a rua e cultuam
a si mesmos enquanto células da cidade.
Se a cultura é produto, quem é a matéria prima? Nossos
cérebros, nossas almas ou o dinheiro de alguém???
Cultura-produto é sinônimo de políticas públicas
silenciadoras, artistas panfletários produzindo para vender, não para viver
(viver arte). Cultura-produto é sinônimo de mega-espetáculo, nunca de carimbó,
forró pé de serra, samba de cacete, a não ser que sejam para atender a um
edital segregador que não passa de vestibular que disfarça falta de vagas.
Cabanagem cultural. Invasão dos centros de poder ideológicos
pelas (e para as) mãos das Marias, Zés e Tiãos. Cabanagem artística. Cabanagem
contra a sabotagem!
Não vou descrever pormenorizadamente os atos públicos
realizados em 7 de janeiro de 2015 em Belém, se você desejar saber sobre eles,
pesquise no face o grupo “Sarau
Multicultural do Mercado” e sobe o Sarau Cabano da Marambaia “Flávio Gamma
Dagamma”.
Muito mais que publicizar o que fizemos, o importante é
perguntar: o que faremos?
POR UM BRASIL CABANO
No Brasil a esquerda luta por hegemonias de grupo, não por
hegemonia de classe. É por isso que se a denúncia respingar em “colegas” ela é
deixada de lado. E dane-se a situação. É por isso que os sindicatos são
ringues, não cooperativas políticas organizadoras dos trabalhadores. É por isso
que os partidos são por dentro ninhos de cobras que engolem cobras, não
agregações de linhas de frente. As vanguardas de hoje são equívocos, porque não
lutam para construir a revolução, mas para tomar o controle dela quando for
vitoriosa (sim, quando for vitoriosa, já que o desenvolvimento de sua luta
também não é de seu interesse).
O ouro de tolo amealhado pelo carguismo, por mais reluzente
e cheio de zeros à direita que represente, nunca será suficiente para
santificar os carros/casas/prazeres comprados.
A subserviência dos pseudo lutadores às benesses do sistema,
não resolve nem os problemas dos que se vendem nem a pulsação da revolta dos
que são vendidos, mesmo quando eles não entendem porque suas lutas não avançam.
O Brasil por enquanto não tirará do poder os filhos e
apadrinhados de Dom Pedro, que hoje possuem novos sobrenomes, que são
acionistas de multinacionais (brasileiras ou não), que ocupam a nata do topo de
ponta da pirâmide (onde as verdadeiras decisões são tomadas) e que travestem
seus empregados com fardas, legendas, bandeiras e manchetes. Isso só mudará
quando ELES FOREM O ALVO DAS MUDANÇAS.
Enquanto a luta for de frações contra frações, de facções
contra subgrupo e de movimentos contra movimentos, os herdeiros de Dom Pedro
estarão retomando o poder de raros cabanos que ousarem sair de suas taperas,
matando-os e apagando-os da história.
O Brasil só será de brasileiros quando uma Cabanagem
nacional acontecer!!!
Isso é tão perigoso que nossa cultura é de “13 de maio”,
jamais de “7 de janeiro”. Isso é tão perigoso que somos chamados para esperar
por 1917 ao invés de chamarmos todos para o pós-2013.
Cabano é bolchevique. Cabano é comuna. Cabano é brasileiro
que não sabia de nada e assumiu por si aquilo que só se perdeu porque foi repassado
para dom-pedristas.
Dá até para pensar nos gritos de guerra. “Cabanagem contra a
sacanagem”. “Contra burguês, flechas cabanas pra vocês”. “Chamem os cabanos”. “Cabanar
para a corrupção acabar”.
Brincadeiras a parte, o que realmente interessa é a pergunta:
és cabano, mano?!
VIVA OS 180 ANOS DA CABANAGEM!!!!
Ps.: Sentiu falta de referências históricas, data e tudo
mais? Isso você mesmo pode resolver.
Ps2.: Este texto é para incomodar e abrasileirar
ainda mais nossa base ideológica, afinal nem o Caetano acredita que só é
possível filosofar em alemão.
Ps3.: O Sarau Multicultural é culpa do Jorge
André Silva e do Ado Mendes; o Sarau Cabano da Marambaia é culpa do Flávio
Gamma Dagamma. Dá para acha-los pelo facebook.